Você deita na cama, vai dormir. Puxa o ar, e ele não vem. Olha para a mesa de cabeceira e vê que o descongestionante nasal já acabou. Bate o desespero. E agora? Para muita gente, essa história é comum, quase cotidiana, e já aconteceu algumas vezes com a artesã Selma Patrícia do Rosário, de 56 anos, que usa esse tipo de medicamento desde criança. Há algum tempo, vem tentando parar, e já conseguiu diminuir bastante o uso, mas não é fácil – e só quem passa pelo mesmo problema sabe disso.
O otorrinolaringologista Anderson Castelo Branco explicou que essa dificuldade em largar o remédio não é à toa: já é sabido pela ciência que o uso prolongado de alguns tipos do medicamento causa dependência. “Alguns descongestionantes nasais, especialmente aqueles que contêm substâncias vasoconstritoras, como a oximetazolina, podem levar à dependência química quando usados por períodos prolongados ou em doses excessivas e qualquer pessoa pode se tornar dependente, basta fazer uso contínuo e por tempo prolongado”.
E isso acontece por causa do mecanismo desses medicamentos, que trazem um alívio quase que instantâneo. Você não consegue respirar, pinga três gotinhas no nariz, e pronto, problema resolvido. Mas, a melhora é temporária: algumas horas depois, a congestão volta e, para conseguir respirar, a pessoa vai precisar repetir o procedimento. E de novo. E de novo. Vira um ciclo.
“Os quadros inflamatórios nasais, alérgicos ou infeciosos, costumam causar inchaço da mucosa nasal. Os descongestionantes nasais atual causando vasoconstrição da mucosa nasal. Como consequência, o inchaço de mucosa reduz e há uma melhora temporária do quadro de obstrução”, detalhou o médico.
Efeitos colaterais
Não é tão difícil de descobrir o jeito certo de usar esse tipo de remédio. Na bula de uma das marcas mais consumidas no Brasil, diz assim: “Gotejar 1 a 2 gotas em cada narina, 4 a 6 vezes ao dia. A dose máxima diária não deverá ultrapassar 24 gotas. O intervalo de tempo entre as administrações não deve ser menor do que 3 horas”. E mais: o uso não deve ultrapassar cinco dias consecutivos.
Em um mundo ideal, uma pessoa só precisaria de descongestionante em casos de doença, como rinite alérgica, gripe e pólipos nasais, por exemplo, que normalmente levam à obstrução parcial ou completa da respiração. E, geralmente, é assim mesmo que tudo começa: você adoece, o nariz entope, o remédio faz o trabalho dele, você respira, aliviado, e nunca mais tolera a sensação de nariz trancado de novo. O problema vai embora, mas o remedinho fica.
O uso crônico é uma coisa tão séria que pode causar até uma nova doença: a rinite medicamentosa, também conhecida como rinite de rebote. É como se o nariz desaprendesse a respirar sozinho. “O medicamento causa uma inflamação na mucosa nasal. Há um alívio temporário fugaz do quadro de congestão, seguido por um efeito rebote, com obstrução. E a principal causa é realmente o uso abusivo de descongestionantes nasais”, pontuou Anderson Castelo Branco.
E as consequências dessa dependência não param por aí. A neurologista Camilla Fonseca apontou mais uma complicação que pode ser causada pelo uso prolongado do remédio: a síndrome da vasoconstricção cerebral reversível, que vem junto com uma dor de cabeça repentina e muito forte. Em 2016, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiu um alerta informando que o uso de descongestionantes nasais deve ser evitado por pessoas com doenças cardíacas, hipertensão, doença da tireoide, diabetes, rinite crônica e glaucoma.
“Do ponto de vista neurológico, o uso crônico pode estar associado à síndrome da vasoconstricção cerebral reversível, em que ocorre uma redução transitória do diâmetro de algumas artérias cerebrais, podendo causar complicações, como isquemia ou hemorragia cerebral. O paciente pode apresentar dor de cabeça súbita e de forte intensidade, que pode estar associada a convulsões e déficits neurológicos, como perda de força nos membros e alteração de fala”, detalhou a médica.
Alternativas
Sair dessa parece difícil, e é, mas tem jeito. Segundo Anderson, em casos de rinite medicamentosa, dá, sim, para quebrar esse ciclo, mas nem sempre é possível abandonar o remédio de uma vez só:
“O desconforto da abstinência pode sabotar a suspensão do medicamento. Em nossa experiência, além da dependência química, há um grau de dependência psicológica dos pacientes viciados em descongestionantes nasais. O paciente pode entrar em pânico, ao se dar conta de que não tem um descongestionante à mão, mesmo que não esteja com o nariz entupido naquele momento. O acompanhamento deve ser rigoroso nessa fase”.
Para que o tratamento dê certo, o paciente deve substituir o descongestionante nasal por outro medicamento à base de soro, ou higienizar o nariz com soro fisiológico com frequência, para manter a mucosa hidratada e evitar novas inflamações e inchaços.
A farmacêutica Taciana Lisboa, que também trabalha com aromaterapia, disse que misturar o remédio com soro é uma boa forma de começar. “Uma dica que ajuda bastante é diluir o produto em soro fisiológico gradativamente até a total eliminação do medicamento. Outra boa alternativa é alternar os dias de uso e ir espaçando cada vez mais até parar de vez com a medicação, beber bastante água, lavar frequentemente o nariz com soro fisiológico e evitar o uso constante de ar condicionado”.
Aliado a isso, segundo a profissional, há essências que podem ajudar: “Uma opção natural seria usar o óleo essencial de hortelã-pimenta no difusor, que melhora a secura da mucosa”. Seguindo as orientações médicas, sem abusos, como destaca a farmacêutica, dá para voltar à vida normal. Pode respirar.